ANÁLISES

CATÁSTROFE NO RS: Áreas com deslizamentos em Gramado podem estar se movendo mais 20 centímetros por dia, diz especialista

Engenheiros estão trabalhando em diagnóstico de pontos de risco; entenda

Publicado em: 09/05/2024 20:23
Última atualização: 10/05/2024 09:25

A situação dos locais de risco em Gramado e Canela é acompanhada com apreensão e tristeza por todos. As famílias que precisaram sair ainda não têm certeza quando poderão retornar para seus lares – e se poderão voltar. Quem ficou nas áreas próximas, teme pelos deslizamentos e as consequências que virão. Somados, os dois municípios têm 1.143 pessoas desalojadas ou desabrigadas.

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Casa rachou no bairro Piratini, em Gramado, após deslizamento de terra Foto: Leonardo Wille/Divulgação
A Prefeitura de Gramado tem promovido reuniões com os moradores para explicar o que tem sido feito. No bairro Três Pinheiros, onde 50 casas tinham sido evacuadas, os residentes retornaram, no final da tarde da segunda-feira, dia 6. Segundo o Executivo, a medida foi baseada em um estudo técnico da empresa Azambuja Engenharia e Geotecnia, afirmando que, com a condição climática vigente, é possível permitir a reocupação da área.

Rua Henrique Bertoluci foi uma das afetadas pelas chuvas Foto: Mônica Pereira/GES-ESPECIAL
Além do Três Pinheiros, outros pontos são considerados de atenção do poder público municipal: bairro Piratini, Loteamento Orlandi e Condomínio Alphaville. Conforme o Executivo gramadense, esses locais recebem monitoramento diário.

Em toda a cidade, são mais de 100 localidades atendidas, que apresentam algum tipo de dano causado pela chuva, sendo que, em, pelo menos, 14, houve necessidade de evacuação. Dados do boletim diário emitido pelo Gabinete de Crise, apontam que mais de 630 pessoas estão fora de casa, abrigadas em espaços como a escola Julita Tissot, o pavilhão da Igreja São José Operário, na Sociedade Moreira, na Sociedade Linha Furna, em casas de amigos, familiares e vizinhos, bem como outros locais parceiros do município.

Laudos técnicos 

O Loteamento Orlandi, no Várzea Grande, é uma das áreas de Gramado que está sendo monitorada desde o final de 2023. Há rachaduras no asfalto e nas casas. As medições para acompanhar a evolução dessas fissuras começaram em novembro do ano passado.

Em janeiro deste ano, a empresa BSE Engenharia, através dos especialistas em geotecnia, os engenheiros Luiz Bressani e Eduardo Simões, iniciou os estudos. A expectativa é que o diagnóstico seja entregue até 18 de maio. Depois, terão dois meses para sugerir intervenções.

Os engenheiros e a equipe do Executivo, assim como autoridades, reuniram-se com os moradores do loteamento, na noite da quarta, dia 8. Foram cerca de duas horas entre a apresentação do que já se possui de informações e questionamentos da comunidade.

Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) há mais de 30 anos, Bressani pondera que está tendo contato em Gramado com “movimentos diferentes de quase tudo o que se conhece”.

Movimentações de 20 a 30 centímetros por dia

Reunião com os moradores do Loteamento Orlandi Foto: Mônica Pereira/GES-ESPECIAL
Para iniciar a apresentação, o engenheiro mostrou algumas das análises que estão sendo realizadas também em outros locais atingidos. Na Linha Quilombo, por exemplo, onde uma pessoa morreu vítima de soterramento, a velocidade do deslizamento está na ordem de 60 km/h. O mesmo movimento foi o que causou a morte de seis pessoas na Linha Pedras Brancas. De acordo com o professor, essas movimentações são registradas em vários locais.

Entretanto, o diferente é o que está acontecendo no bairro Piratini, segundo Bressani “porque é definido pela geologia daquele local”. Na Rua Nelson Dinnebier, a velocidade do deslizamento é centímetros por dia, praticamente parando quando não há chuva. “Quando chove, volta a mexer”, exemplifica.

Luiz Bressani é engenheiro e especialista em geotecnia Foto: Mônica Pereira/GES-ESPECIAL
Acima dessa rua, próximo ao Condomínio Alphaville, uma casa rachou no meio, após a última tempestade. “Teve um movimento de 20 a 30 centímetros por dia”, aponta. “O que comanda essa movimentação? O material que tem no subsolo. Por isso que a gente tem que entender o material. E essa é a dificuldade que a gente tem, esse é o desafio”, reforça.

Ainda no bairro Piratini, há outras três ruas com grande movimentação de massa: Henrique Bertoluci, Guilherme Dal Ri e Getúlio Vargas. “São 800 mil toneladas de movimento e a gente não consegue colocar nada para parar isso enquanto não parar a chuva”, salienta Bressani, completando que as casas estão sendo empurradas para baixo e não há capacidade de recuperação. “Os movimentos não estão parando. A gente não está conseguindo acessar ainda porque não se tem informação de subsolo, de resistência, da água no subsolo”, diz

Velocidade e como conter o deslizamento

No Loteamento Orlandi, os trabalhos de topografia são realizados e foi colocado um piezômetro para medir o nível de água no solo. “A gente ainda não fechou o relatório, mas tem materiais muito moles, as sondagens demonstram isso”, evidencia Bressani. As respostas que os especialistas buscam na investigação é a velocidade que o deslizamento está acontecendo e se é possível contê-lo.

Para isso, uma espécie de “tomografia” da área é realizada, com equipamentos de última geração. Serão 14 os pontos estudados, sendo um extra. “Vamos colocar um instrumento que nem estava previsto, porque, ao olhar os resultados de sondagem, nós nos surpreendemos com as características do subsolo que existem na Rua Augusto Orlandi”, corrobora o engenheiro Eduardo, reforçando os anos de experiência que a equipe possui.

Eduardo Simões em apresentação aos moradores do Loteamento Orlandi Foto: Mônica Pereira/GES-ESPECIAL
Eduardo enfatiza que os furos, inicialmente planejados, deveriam ser até de 15 metros de profundidade, mas que chegaram a 27 metros. “Porque para nós não está claro qual é a camada que está movimentando”, realça. De acordo com o especialista, há uma camada mole no solo, com uma espessura de mais ou menos oito metros.

Com o loteamento dividido em três áreas, a maior concentração desse material é no centro, mas em uma profundidade que se aproxima dos 20 metros.

“Existem vários movimentos nessa região. É uma estrutura complexa do ponto de vista geotécnico. Existem problemas de menor escala, que têm algum nível de solução. Existem problemas de maior escala que podem ter uma solução, e é isso que nós estamos estudando agora. E existem, ou podem existir, fenômenos geológicos de macroescala, que provavelmente não têm uma medida estrutural efetiva. Estamos interpretando os dados. Nós não temos todas as respostas ainda, mas hoje nós temos uma compreensão muito mais clara do que existe”, argumenta Eduardo.

“Colocamos nosso sonho lá”

Loteamento Orlandi foi um dos locais evacuados Foto: Mônica Pereira/GES-ESPECIAL
Após a explanação dos técnicos, foi aberto um momento para dúvidas. Os moradores do Loteamento Orlandi questionaram a falta de comunicação das informações e também liberação do local por parte da Prefeitura sem um estudo da área.

Para Bressani, antes dos episódios de novembro do ano passado, ninguém imaginaria que algo de errado havia no local. Ainda, corrobora que o material mole encontrado é de origem natural do subsolo.

O loteamento está dividido em áreas verdes, amarelas e vermelhas, seguindo a zona de risco. As casas em amarelo e vermelho devem ser evacuadas – o que representa praticamente todo o local. Não foi dado um prazo sobre quando será possível retornar.

Uma das residentes, que atualmente está em um abrigo, fala sobre as dificuldades em conseguir construir a casa. “Colocamos nossos sonhos lá. Eu sai com a roupa do corpo”, lamenta.

A procuradora-geral do Município, Mariana Reis, cita que a Prefeitura de Gramado está estudando áreas para realocar as famílias que tiverem as casas comprometidas e que não poderão mais voltar e também elaborando um projeto para encaminhar à Câmara de Vereadores para postergar o IPTU. 

 

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