À BEIRA DO COLAPSO

ONCOLOGIA: Hospital de Taquara reclama que alta demanda vinda de Novo Hamburgo coloca em risco atendimento contra o câncer

Dirigentes do Hospital Bom Jesus apontam necessidade de mais recursos para seguir com o serviço

Publicado em: 14/11/2023 14:19
Última atualização: 14/11/2023 16:08

Em abril de 2022 os pacientes oncológicos de Novo Hamburgo começaram a ser atendidos no Hospital Bom Jesus (HBJ), em Taquara, no Vale do Paranhana. O contrato inicial previa que o atendimento seria por seis meses, mas sucessivos termos aditivos foram ampliando o período de atendimento, sem aumentar necessariamente os valores repassados.

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Transferência do atendimento oncológico para Taquara é alvo de críticas desde o ano passado Foto: Moris Mozart Musskopf/CMNH/Arquivo

Dirigentes do hospital, que é gerido pela Associação Hospitalar Vila Nova, dizem que a demanda foi muito maior do que o esperado e com isso a saúde financeira da instituição está em risco. Diretor técnico do Hospital, Jaime Guedes Silveira é taxativo ao falar sobre o futuro dos atendimentos. ”No próximo ano, se não houver adequações no contrato, o risco é para todos os municípios, inclusive do Vale do Paranhana”, afirma.

Referência no atendimento oncológico do Vale do Paranhana, o Hospital Bom Jesus vem assumindo a cada dia pacientes de outras regiões. Campo Bom, Dois Irmãos, Ivoti e Estância Velha também já têm seus pacientes oncológicos atendidos no HBJ, no entanto, foi a chegada de Novo Hamburgo que colocou o sistema a beira de um colapso

Presidente da Associação Hospitalar Vila Nova, Dirceu Dal'Molin explica que entre os fatores que dificultaram o atendimento, o ingresso dos novos pacientes está entre os principais. “Foi apresentado um número de pacientes que já estavam em tratamento com quimioterapia e os que aguardavam cirurgias. Mensalmente temos um acréscimo em média de 70 novos casos de NH”, conta, dizendo ainda que os atendimentos aos pacientes da cidade representam dois terços do total de atendidos no HBJ.

Recursos escassos

Silveira reclama diretamente da falta de recursos, geridos pela Secretaria Estadual de Saúde (SES). “O projeto era de seis meses, passaram o teto de Novo Hamburgo só por seis meses, só que depois eles não tinham para onde mandar os pacientes. Nos passaram um serviço com recurso limitado”, afirma.

Como os repasses ficaram restritos à tabela SUS, há muitos anos defasada, o HBJ pode ter problemas financeiros no futuro.

Ao longo deste ano, um repasse de R$ 3,8 milhões feito pelo Tribunal de Justiça (TJ/RS) garantiu a saúde financeira do HBJ. Os recursos fazem parte de um acordo entre Judiciário e Executivo gaúcho para reduzir o tempo de espera por atendimentos oncológicos. O dinheiro destinado ao HBJ foi direcionado para a realização de 3.821 exames e 522 cirurgias, totalizando 4.343 atendimentos.

“Em 2023, por sorte, o TJ/RS doou uma verba significativa para ajudar os hospitais que trabalham com oncologia. Não fosse isso, estaríamos na mesma crise dos hospitais de Canoas, Cachoeirinha, Torres, atrasando salário e pagamento de médicos”, destaca Silveira, que ainda aponta que o risco não foi descartado. "Não estamos nessa situação, mas podemos chegar.”

Os números da lotação

Números do HBJ mostram que os pacientes oncológicos de Novo Hamburgo são realmente os que mais ocupam os atendimentos do hospital nesta especialidade. Em 2023, até o mês de agosto, a instituição realizou 1.720 cirurgias a um custo de R$ 4,47 milhões.

Em menos de um mês, convênio com Hospital de Taquara quase zera fila de oncologia na região Foto: Joceline Silveira/ GES-Especial

Do total de cirurgias oncológicas, 527 foram para atender os pacientes hamburguenses, fazendo com que, das 24 cidades atendidas em Taquara, apenas Novo Hamburgo tenha superado a casa do milhão nos custos cirúrgicos. Até o oitavo mês do ano foram R$ 1,52 milhão apenas em cirurgias oncológicas.

Em 2022, entre maio e dezembro, foram 293 cirurgias para atender pacientes de Novo Hamburgo ao custo de R$ 856,70. Os dados do ano passado contabilizam apenas os procedimentos realizados a partir de maio, um mês após o início do atendimento na cidade. Esses valores se referem apenas às cirurgias, sem levar em conta os custos com exames e outros tratamentos como quimioterapia.

“São muitos exames porque os pacientes têm que ser acompanhados diariamente, saber qual o estágio de quimioterapia”, explica Silveira.

Déficit

Os gestores do HBJ reclamam das dificuldades em manter a saúde financeira do hospital para os próximos meses. Segundo Dal'Molin, atualmente a instituição convive com um déficit mensal de aproximadamente R$ 300 mil. “O hospital está colocando dinheiro para garantir o atendimento.”

Há ainda a questão que envolve os leitos, já que a capacidade atual do HBJ é de 100 leitos. “Tínhamos estrutura para atender uma população de aproximadamente 200 mil habitantes, com a adesão das novas cidades somos responsáveis por cerca de 400 mil, mas os recursos não acompanharam.”

“Não é bem assim receber 400 mil pessoas atendendo uma área tão sensível. Temos que mais que duplicar as equipes médicas, de enfermagem”, complementa Silveira.

Um investimento de R$ 6 milhões da Secretaria Estadual de Saúde (SES) está anunciado para a ampliação do local. Mas a expectativa é que o novo espaço seja concluído apenas no final do primeiro semestre de 2024.

Soluções

São dois os caminhos que a administração do HBJ tem buscado para resolver o problema. O primeiro é junto à SES, em busca de uma compensação sobre a tabela SUS para cirurgias e procedimentos. Procurada pela reportagem, a Secretaria não retornou até o fechamento da reportagem.

Já o outro pedido tem sido para que o município de Novo Hamburgo auxilie de alguma forma a custear o tratamento dos pacientes da cidade. “Novo Hamburgo escolheu ser gestão plena e precisa assumir as responsabilidades”, aponta Silveira.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Novo Hamburgo, a cidade não tem mais gerência sobre as verbas. “Todos os recursos que faziam parte da oncologia de Novo Hamburgo foram transferidos ao Fundo Estadual de Saúde, que é responsável pela contratualização do Hospital Bom Jesus, desde o primeiro momento da transferência para Taquara.”

A SMS também lembra que a inserção de novos pacientes é algo que não depende do governo municipal. “Conforme o estabelecido pelo Ministério da Saúde e de conhecimento prévio de todas as partes, ser referência para qualquer especialidade nunca está condicionado a um número fixo mensal de pacientes. No caso da oncologia, quem gerencia a fila e os números de atendimento é a regulação do Estado.”

Silveira, no entanto, não se conforma e mantém um tom crítico à forma como os gestores de Novo Hamburgo estão tratando a questão. “É uma coisa inadmissível estarmos fazendo um favor para Novo Hamburgo e ainda ter o desaforo de não poder cobrar. Não temos o mínimo suporte possível de Novo Hamburgo”, critica.

De acordo com o diretor técnico do HBJ, um dos problemas principais é em relação aos custos relacionados com exames e com a quimioterapia, que não estariam sendo repassados para o Hospital. Outro problema apontado por Saraiva é que pacientes oncológicos têm sido encaminhados para Taquara mesmo em situações que não envolvem a doença. “Não é porque é paciente oncológico nosso que Novo Hamburgo não pode tratar a sua pneumonia.”

Saraiva ainda garante ter tido dificuldades para conversar com o secretário de Saúde de Novo Hamburgo, Marcelo Reidel. “O secretário não tomou nenhuma decisão e nos criticou até. Mas isso é uma questão que tem que falar com a prefeita”, avalia Saraiva ao falar sobre as conversas com o secretário.

O dirigente do HBJ diz que Reidel tem bloqueado contatos com a prefeita Fatima Daudt, o que é negado pela SMS. "A Secretaria Municipal de Saúde desconhece qualquer pedido de agenda por parte de algum representante do Hospital Bom Jesus que não tenha sido atendido até o momento."

Reunião

Uma reunião agendada para quinta-feira (16) com a diretora do Departamento de Gestão e da Atenção Especializada (DGAE) da Secretaria Estadual da Saúde (SES)*, Lisiane Fagundes, deve abordar ajustes nos valores do contrato. Dal'Molin garante que a população de Novo Hamburgo não ficará sem atendimento, mas aponta para a necessidade de ajustar os valores e tratamentos.

Diferente de Saraiva, ele considera que está havendo diálogo com o governo de Novo Hamburgo, mas confirma que nenhuma solução foi acertada entre as partes ainda. O contrato atual para o atendimento em Taquara encerra no final de dezembro.

* Correção: Inicialmente, a reportagem informava SMS, mas foi corrigida às 16h07, pois trata-se da Secretaria Estadual da Saúde (SES). 

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