Documentário

"Um olhar afetivo sobre o enxaimel de Ivoti" resgata a história da imigração alemã

Gravação de documentário em casas enxaimel é alusivo ao Bicentenário da Imigração

Publicado em: 21/03/2024 15:43
Última atualização: 21/03/2024 16:31

Resgatar o passado por suas raízes de afeto, e não somente por seu rico valor histórico, é o objetivo da Sociedade Ivotiense de Estudos Humanísticos (Siehu), que está desenvolvendo diversas atividades alusivas ao Bicentenário da Imigração Alemã no Brasil.

Entre elas, está o documentário “Um olhar afetivo sobre o enxaimel de Ivoti”, que recebeu um investimento de R$ 45 mil através da Lei Paulo Gustavo, para desenvolver um filme contando a história de 10 casas construídas no estilo enxaimel nos séculos XIX e XX (Casa Lauermann, Herrmann, Frohlich, Koch, Schmitt Anschau, Leuck, Dhein, Pohren, Dilly e Salão Holler), e que ainda estão de pé.


Rosa Maria contou a história da casa construída por seu bisavô Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

As filmagens tiveram início neste mês de março, narrando a jornada dos primeiros imigrantes alemães que adentraram uma mata virgem até chegar ao local onde hoje é a cidade de Ivoti, a partir do ano de 1826. O documentário oferece uma perspectiva sobre esses imigrantes que receberam seus lotes ao longo do Travessão, agora conhecido como Avenida Presidente Lucena, e como, nos 56 lotes distribuídos, construíram suas trajetórias. Em seguida, o filme aborda as histórias das casas centenárias, destacando os relatos emocionantes das pessoas que nelas habitam ou habitaram, e sua ligação afetiva com essas residências.

“A intenção maior é sensibilizar a comunidade de Ivoti para que possam olhar para a sua cidade com um olhar afetivo. Um olhar que vem reconstruir essa ideia de identidade, de sentimento de pertencimento. Porque se a gente seguir um crescimento acelerado da cidade, descaracterizando algumas coisas, vamos perder a nossa identidade e a nossa referência”, explica a presidente da Siehu e historiadora, Andrea Schneck.

Casa HermannDário Gonçalves/GES-Especial
Ilse, de 87 anos, contou suas lembranças sobre a Casa HermannDário Gonçalves/GES-Especial
Gravação com Ilse HerrmannDário Gonçalves/GES-Especial

Toda a parte técnica e audiovisual está sendo realizada pela ParaNóia Produções, de Novo Hamburgo, que tem gravado as entrevistas feitas por Andrea e pela arquiteta Jaqueline Brenner. O documentário contará também com imagens aéreas feitas por drone e questões de acessibilidade. “Temos um material muito rico para mostrar. Conseguimos mexer em baús muito antigos, vindos da Alemanha de navio, fotografias, também usamos como base o inventário que foi feito de bens imóveis em Ivoti. Então é uma história que será muito bem contada”, destaca Jaqueline.

Referência no Estado

Conforme as idealizadoras do projeto, Ivoti é o município com o maior número de casas enxaimel no Rio Grande do Sul de que se tem conhecimento. Entre as edificações, está o Salão Holler, localizado na Avenida Presidente Lucena, que foi construído entre o final do século XIX e início do século XX. “Esta é a maior edificação enxaimel do Estado e é tombada como patrimônio histórico estadual desde 2014. E nós, da Sociedade Ivotiense de Estudos Humanísticos, estamos batalhando para que esse espaço se transforme em um espaço cultural de múltiplo uso, acolhendo o museu, artistas, entre outras atividades”, explica a presidente.

As gravações no local foram realizadas na tarde de quarta-feira (20) e, além disso, a equipe conversou com Albanita Klein, que hoje vive em um lar de idosos, mas que nasceu na Casa Holler (hoje Salão Holler).

Casa (Salão) Holler, em 1936Divulgação
Entrevista com Albanita Klein, que nasceu na Casa HollerDivulgação

Outro local que aparecerá no documentário é a Casa Schmidt Anschau, que foi originalmente construída por volta do ano 1902 na região de Joaneta, atual Picada Café, por João Götz (1876-1963) e sua esposa, Tereza Götz. Por ser construída em técnica enxaimel, sua estrutura permite ser desmontada e montada exatamente como era em outro local. Dessa forma, em 1939, Henrique Götz (1903-1984), filho de João e Tereza (que também tiveram os filhos Adolina e Guilherme), levou a casa, desmontada sobre carroças, para Ivoti, onde hoje fica a rua Götz.

Henrique Götz e sua esposa, Lúcia, tiveram uma filha chamada Syria Antonia Schmidt, que se casou com Lino Schmidt. Desta união, nasceu naquela própria casa, Rosa Maria Schmidt Anschau, hoje com 68 anos e que vive até hoje na residência ao lado de seu marido Marco Antonio Anschau, 61. “Aqui eu nasci e com o tempo, tivemos filhos e precisamos construir mais peças na casa, mas toda a estrutura segue original. Na porta, ainda estão todas as marcas de tiros, que não sabemos a origem certa”, conta Rosa Maria.

A moradora afirma que viverá até o fim de sua vida na Casa Schmidt Anschau, e quando a hora chegar, a residência passará para as mãos do filho, Maicon Rodrigo Anschau, que vive ao lado, no mesmo terreno. “Quero manter preservando, é uma casa com mais de 120 anos e de quase um século em Ivoti”, acrescenta Maicon, 38, que também morou na residência até sair e se casar.

Rosa Maria e Marco Antonio Anschau em sua casa enxaimelDário Gonçalves/GES-Especial
Maicon com os pais Rosa Maria e Marco Antonio AnschauDário Gonçalves/GES-Especial
Marcas de tiros na porta da casa construída há mais de 100 anosDário Gonçalves/GES-Especial
Gravações do documentárioDário Gonçalves/GES-Especial
Gravações do documentário na Casa Schmidt AnschauDário Gonçalves/GES-Especial
Família Schmidt Anschau, com a equipe da Siehu e ParaNóia Produções ,Dário Gonçalves/GES-Especial

Laços afetivos

Nem todas as pessoas que participam do projeto, de acordo com Andrea Schneck, presidente da Siehu, são naturais de Ivoti, mas mudaram-se para a cidade e sentem-se pertencentes ao município. “A gente só consegue esse olhar sobre o passado ressignificado no presente. Olhar com amor e com afeto para aquilo que foi, que aconteceu, apesar das problemáticas, poder ver o que os nossos antepassados construíram, o que nos deixaram como legado”, comenta.

Na Casa Hermann, que atualmente está fechada, Ilse Herrmann, hoje com 87 anos, falou do tempo em que morou na casa e da fábrica de calçados que havia lá, como se desenvolveram e expandiram os negócios. “A lembrança que trago com mais carinho, é o nascimento do meu primeiro filho, que nasceu nesta casa. A casa traz muitas lembranças importantes de questões familiares”, contou.

As gravações na Casa Dilly contaram com a participação das irmãs Lira e Maria Dilly. “É uma casa que fica na Régis Bittencourt, e foi uma escolinha de Ivoti. Foi muito bacana os depoimentos, porque elas trouxeram essa ideia de uma casa em meio às propriedades rurais, sem estradas, mas com pomar, com horta, animais, kerbs realizados na casa. Eles conseguiam cultivar alimentos para a sobrevivência e também para venda e para vizinhos”, antecipa Andrea.

Jaqueline Brenner (arquiteta), Andrea Schneck (presidente da Siehu) e Maria DillyDivulgação
As irmãs Maria e Lira DillyDivulgação

“Nós vimos, em cada depoimento, o quanto essas pessoas se emocionaram e acreditam na potencialidade da preservação das casas. De todas as 10, apenas uma não está sendo usada. As outras estão habitadas ou sendo usadas para outros fins. Essas pessoas falam com carinho e isso as motiva a seguir preservando as casas. Então, com isso, queremos sensibilizar outros proprietários de outras casas a protegerem esse patrimônio”, afirma a presidente.

Outros projetos

Além do documentário “Um olhar afetivo sobre o enxaimel de Ivoti”, que será lançado no dia 19 de outubro, no aniversário de 60 anos de Ivoti, outros dois projetos estão em desenvolvimento pela Sociedade Ivotiense de Estudos Humanísticos (Siehu). Um deles mostrará 30 fototelas, contemplando as 10 casas enxaimel e mais 20 outras de ruas da cidade. Com intervenção artística de quase 30 artistas/artesãos, o trabalho mostrará a evolução da cidade através dos anos com um enfoque educativo e cultural.

O terceiro projeto é um livro infanto-juvenil da Série “Um olhar colorido sobre Ivoti” com o subtítulo “Casas centenárias que contam histórias com afeto e arte”. “Esses três projetos já estão acontecendo e serão lançados em momentos diferentes. O livro em julho, nos festejos da imigração, e as fototelas entre esse período, julho e outubro”, finaliza Andrea.

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