CIDADES SUBMERSAS

CATÁSTROFE NO RS: Pelos trilhos, o que se vê entre as estações da Trensurb de Novo Hamburgo a São Leopoldo

Pessoas com água até o pescoço, animais ilhados vivos e mortos, e a tristeza de quem perdeu tudo

Publicado em: 07/05/2024 21:50
Última atualização: 07/05/2024 22:10

A linha férrea da Trensurb é um caminho que tem sido usado por dezenas, centenas de pessoas atingidas pela enchente para se locomoverem entre Novo Hamburgo e São Leopoldo. Na tarde desta terça-feira (7), a reportagem percorreu os mais de dois quilômetros entre as estações Santo Afonso e Rio dos Sinos, uma em cada cidade, para ver um pouco de cima o cenário da maior catástrofe que já atingiu os municípios e todo o Rio Grande do Sul.


No barco, homem usa vassoura como remo, na água, outro usa um galão de água como boia Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

A Estação Santo Afonso é o local usado como “Quartel-General” de voluntários que se unem, principalmente, para salvar animais que foram deixados para trás. O local é o último da Avenida Primeiro de Março, em Novo Hamburgo, em que se pode chegar por terra, pois a partir dali, apenas barcos conseguem transitar.

Do alto da estação, já sobre os trilhos, a cena é inédita: pedestres caminhando de um lado para o outro, uma vez que as atividades dos trens estão suspensas desde sexta-feira (3) e ainda não há prazo para voltar à operação. Em dias normais, a simples presença de uma pessoa poderia ser suficiente para interromper o serviço, agora, no entanto, transitar pela ferrovia é a única opção de quem quer ver o que sobrou de suas casas.

Brinquedo flutuando na enchenteDário Gonçalves/GES-Especial
À esquerda, pessoas onde deveria haver trem; à direita, barcos onde deveriam haver carros; no alto, à direita, um pontinho mostra a vigília de helicópteros sobrevoando as áreas afetadasDário Gonçalves/GES-Especial
À esquerda, no alto, a bandeira do Rio Grande do Sul, à direita, em baixo, o retrato da catástrofe que atingiu o EstadoDário Gonçalves/GES-Especial
Canoístas percorrem São Leopoldo e Novo HamburgoDário Gonçalves/GES-Especial
Extensão da enchente que atinge Novo Hamburgo e São LeopoldoDário Gonçalves/GES-Especial
Trânsito agora é exclusivo de embarcaçõesDário Gonçalves/GES-Especial
Vista sobre a Estação Santo Afonso, em direção a São LeopoldoDário Gonçalves/GES-Especial
Estação de onde saiam trens, agora partem barcosDário Gonçalves/GES-Especial
Estação Santo Afonso, em Novo HamburgoDário Gonçalves/GES-Especial

Não é necessário andar muito para ver e ouvir cenas que chocam. Em uma árvore, quase ao lado do Arroio Gauchinho (que já não é mais visto), um gato pedia socorro, mas nenhuma embarcação chegou até ele. Conforme se avança em direção a São Leopoldo, as casas ficam cada vez mais submersas, até que chega o ponto de muitas terem só os telhados visíveis. O pouco que a água baixou revela muitos carros com apenas o teto visível. Um deles, inclusive, continha marcas causadas, possivelmente, por alguma embarcação que passou sobre ele enquanto submergia.

Barcos a remo e a motor, canoas e jetsky faziam o trânsito de um lado para o outro, buscando pessoas, levando mantimentos, usando apitos para chamar a atenção de quem precisava de socorro. Muitos, no entanto, tinham como única opção caminhar dentro d’água à própria sorte. Em certo momento, um homem era visto somente com a cabeça na superfície.

Barcos percorrem ruas de São LeopoldoDário Gonçalves/GES-Especial
Barcos percorrem ruas de São LeopoldoDário Gonçalves/GES-Especial
Na água, corpo do que parece ser um porco afogadoDário Gonçalves/GES-Especial
Mais pessoas aparecem somente com a cabeça para fora d'águaDário Gonçalves/GES-Especial
Enchente se estende por quilômetrosDário Gonçalves/GES-Especial
Placa diz que é proibido colocar lixo no loca, porém...Dário Gonçalves/GES-Especial
Homem caminha somente com a cabeça para fora da água no bairro Santos DumontDário Gonçalves/GES-Especial
Carros no estacionamento de supermercado ficaram submersos em São LeopoldoDário Gonçalves/GES-Especial
Animais pelos telhados tornaram-se cenas tristes e comunsDário Gonçalves/GES-Especial
Pelas ruas, moradores enfrentam a enchente com água no peito; na sacada, morador ilhado vê tudo de cimaDário Gonçalves/GES-Especial

O lixo também se espalha e revela todo o tipo de coisa. Brinquedos, roupas, garrafas, pedaços de madeira, uma cerca inteira que boiava para longe de onde um dia esteve cravada ao chão. Por toda a extensão, mais animais ilhados sobre telhados e, em um terreno, um corpo boiando indicava que ali havia um porco que não resistiu.

Entre os pedestres que caminhavam sobre os trilhos, moradores que tentavam identificar suas casas, muitas ainda sem poderem ser vistas. O choro de quem constatava a perda e sem a perspectiva de quando poderá retomar suas vidas. No céu, ao menos três helicópteros faziam rondas, não se sabe se em busca de pessoas pedindo socorro ou se constatando alguma situação.

Helicóptero sobrevoa áreas afetadasDário Gonçalves/GES-Especial
Marcas no teto de um dos carros mostra o rastro do que pode ter sido um barco que passou por cimaDário Gonçalves/GES-Especial
Carros submersosDário Gonçalves/GES-Especial

Chegando à Estação Rio dos Sinos, a parte onde ocorrem os embarques está muito diferente do que se costuma ver. Restos de roupas, colchões e calçados deixados para trás por quem lá buscou abrigo se misturam com fezes de animais e comidas, já estragadas, que foram deixadas na tentativa de alimentar cachorros refugiados. Na parte de baixo, o Rio dos Sinos toma conta da estação de mesmo nome.

Policiais civis passam armados em embarcaçõesDário Gonçalves/GES-Especial
Helicóptero sobrevoa áreas afetadasDário Gonçalves/GES-Especial
Animais com pouca água e comida disponívelDário Gonçalves/GES-Especial
Colchão foi queimado na Estação Rio dos Sinos, onde muitas pessoas ficaram abrigadasDário Gonçalves/GES-Especial
Rio dos Sinos toma conta da Estação de mesmo nomeDário Gonçalves/GES-Especial
Animais padecem na Estação Rio dos SinosDário Gonçalves/GES-Especial
Situação da Estação Rio dos Sinos, na tarde desta terça-feira (7)Dário Gonçalves/GES-Especial

Retornando a Novo Hamburgo, mais pessoas buscavam ver os estragos e o desabafo de quem perdeu o que tinha. No fim do percurso de volta, policiais civis passavam armados de fuzis em duas embarcações. Mais à frente, um homem usava um galão de água como boia enquanto cruzava a enchente. Por ele, passou um barco com outros três homens, um deles usando uma vassoura como remo. O náufrago que caminhava agarrado ao vasilhame de 20 litros pediu ajuda à embarcação. “Se eu fizer um pix, vocês me levam para aquele lado?”, disse. Já distante, os embarcados responderam que não poderiam ajudar, pois o destino era para o outro lado.


Homem utiliza galão como boia na Avenida Mauá Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

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