SÃO LEOPOLDO

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: Caso contra espaço de religião de matriz africana é apurado

Trio teria ameaçado e desferido ofensas contra ilê que fica no bairro Feitoria; prefeitura divulgou nota de repúdio

Publicado em: 09/01/2024 11:27
Última atualização: 09/01/2024 18:38

Um caso de intolerância religiosa que gerou indignação entre representantes de matriz africana está sendo investigado pela Polícia e motivou até mesmo nota de repúdio da prefeitura leopoldense.

O fato aconteceu na véspera do Natal, em frente ao Ilê de Oxalá Jobokum e Ògún Oníré, que pertence ao babalorixá Marcello D'Ògún Oníré Deí Já e fica no bairro Feitoria. Na manhã do domingo (24), pela câmera instalada em frente ao local, que grava imagens e áudios, ele percebeu a movimentação de três pessoas que permaneceram na calçada por cerca de 15 minutos, fazendo ameaças e desferindo ofensas ao espaço.

Intolerância religiosa: Câmera do espaço gravou trio em frente ao Ilê leopoldense; áudio revelou ameaças e ofensasReprodução
Câmera do espaço gravou trio em frente ao Ilê leopoldenseReprodução

“Pedrada”

Nas suas redes sociais, o babalorixá publicou um texto contando o que aconteceu e o que ouviu durante o tempo que as pessoas estiveram ali. “Homem: ‘Pastora, vou quebrar a placa com uma pedrada…’ (detalhe, a fachada de Ilê é de vidro). Pastora: ‘Hoje não… Vamos passar todos os dias aqui para convertê-lo, vamos ganhar no cansaço’. Mulher 2: ‘Vamos orar aqui na frente, agora, para expulsar o demônio desse lugar’”, descreve a publicação.

À reportagem, Marcello conta que não estava no Ilê naquele momento, mas a câmera é ligada ao aplicativo do seu celular, por onde ele pode acompanhar as imagens e áudios em tempo real. “Eles ficaram falando de satanás, demônios, fizeram orações, apontavam para o portão, levantavam as mãos”, comentou. Ao final, o trio deixou um panfleto na caixa de correspondência do Ilê. No papel, havia o nome da instituição religiosa de onde eles fariam parte.

O babalorixá registrou Boletim de Ocorrência na Polícia Civil.

“Isso aqui foi demais”

Representante de religião de matriz africana há mais de 30 anos, o babalorixá destaca que esse não é um fato isolado. “Se aconteceu aqui, está acontecendo em outros lugares também”, disse, ressaltando estar cansado de ver situações como essa, mas, que, por conhecer seus direitos, entende a importância de divulgar o caso. “Eu já estou acostumado, só que isso aqui foi demais. E isso acontece todos os dias. Todos os dias um afrorreligioso leva uma paulada, só que a maioria fica quieto, tem medo, não quer o embate”.

Medidas judiciais serão tomadas

O advogado de Marcello e do Ilê, João Darzone, explicou que medidas judiciais devem ser tomadas nas próximas semanas. “Vamos proceder notificação judicial a essas pessoas que cometeram essa citação de intolerância religiosa, para, primeiro, cientificá-las de que temos ciência de quem foi; e, segundo, informá-las que o ato que aconteceu no Ilê é crime de intolerância religiosa”, pontuou. “Vamos pedir um prazo na notificação para eles se retratarem. E, se não houver resposta ou uma retratação sobre o fato acontecido, vamos proceder ação judicial de indenização, com pedido de afastamento dessas pessoas que procederam essa barbárie”, acrescentou o advogado.

Darzone também pondera que o registro da ocorrência deve desencadear uma ação penal. “Acredito que essas providências serão suficientes para proteger o Ilê do Marcello e prevenir novas situações como essa”, concluiu.

O caso está sob responsabilidade da 1ª Delegacia de Polícia de São Leopoldo. Titular da 1ª DP, a delegada Cibelle Savi disse que não tem mais informações no momento, mas afirmou: “esse caso será apurado”.

Ilê do babalorixá Marcello D'Ògún foi alvo de intolerância religiosa; trio ameaçou tocar pedra em fachada de vidro Foto: Priscila Carvalho/GES-Especial

Prefeitura divulgou nota de repúdio

Procurada, a Secretaria de Direitos Humanos (Sedhu) de São Leopoldo lançou nota de repúdio sobre o caso, assinada pela chefe do Departamento de Igualdade Racial, Adriângela Cabral Jacob.

“Nos últimos tempos, alguns setores têm promovido um massacre religioso contra as Religiões Tradicionais de Matriz Africana, perpetrando uma contínua, incansável, declarada e brutal perseguição aos praticantes dessas religiosidades. A disseminação do discurso de ódio e/ou sua promoção, por qualquer pessoa, deve ser enfrentada por todas as instituições que visam salvaguardar os Direitos Humanos e as Garantias Constitucionais asseguradas pelo ordenamento jurídico pátrio. Os atos que reforçam pensamento hostil e a intolerância contra religiões de matriz africana, desprestigiando o sagrado alheio e a liberdade religiosa, são avessos aos que esta gestão vem batalhando diariamente ao longo dos anos em busca de respeito à diversidade religiosa”, frisou a nota.

“Nada justifica a falta de respeito às instituições religiosas, e o Estado tem o dever de agir contra atos que violem a dignidade humana. A Secretaria de Direitos Humanos por intermédio do Departamento de Igualdade Racial continuará a combater quaisquer tipos de violações aos Direitos Humanos, sejam eles políticos, sociais e religiosos, reforçando a luta pela laicidade e liberdade religiosa em nosso país e reiteramos nossa profunda indignação com o ocorrido no Terreiro do Pai Marcello. Acompanharemos o caso atentamente, e esperamos que todas as medidas legais cabíveis sejam adotadas”, finalizou o texto.

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