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VIOLÊNCIA

Como um ataque traiçoeiro se transformou no maior tiroteio da história de Novo Hamburgo

Veja os bastidores da noite de terror acompanhada pela reportagem

Publicado em: 23/10/2024 às 21h:38 Última atualização: 31/10/2024 às 16h:49
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Uma denúncia de violência doméstica contra idosos, praticada pelo filho em uma casa sem histórico de agressões, se transformou no maior conflito armado da história de Novo Hamburgo. Foram nove horas de tensão com intervalos de intensa troca de tiros, entre o fim da noite de terça-feira (22) e a manhã desta quarta (23). Morreram um soldado da Brigada Militar, o atirador e dois familiares dele – o pai e um irmão. Outros seis brigadianos foram baleados, além de um guarda municipal e da mãe e da cunhada do homem em surto.

Cerco policial no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo | abc+



Cerco policial no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo

Foto: Igor Müller/GES-Especial

O motorista aposentado Eugênio Crippa, 74 anos, ligou para o 190, por volta das 23 horas, e avisou sobre ameaças sofridas na residência da família na Rua Adolfo Jaeger, no bairro Ouro Branco. Dizia, no telefonema, que o filho Edson Fernando Crippa, 45, estava intimidando ele e a esposa, Cleris Crippa, 70, com “fortes xingamentos”. Edson estaria em surto psicótico.

Ataque traiçoeiro

O soldado Everton Raniere Kirsch Junior, 31, e um colega foram recebidos pelos idosos. Os policiais pediram para Edson trazer documentos para o registro da ocorrência e ele concordou, em tom amistoso. Era para ser mais um atendimento rotineiro de desavença familiar. Mas o denunciado, ao voltar, sacou uma arma da cintura e disparou contra a cabeça do soldado Kirsch, que caiu no pátio.



O outro PM foi perseguido por Edson e baleado quase na Rua Bento Gonçalves. O transtornado voltou para casa e atirou contra os pais. Depois no irmão, Everton Luciano Crippa, 49, e na cunhada, Priscilla Martins, 41, que recém tinham chegado de carro pelos pedidos de socorro de Eugênio. O automóvel, um Jeep Renegade com placa de Cuiabá (MT), estacionado na frente, ficou com marcas de tiros.

Alerta de feridos

A rede de rádio e grupos de WhatsApp da corporação fizeram o alerta de “militar e civis feridos”. Até então, não se sabia a gravidade. Cinco brigadianos e um guarda municipal que chegaram para resgatar as vítimas também foram baleados. A situação já estava fora de controle. A intensidade dos tiros só aumentava. Rompiam o silêncio da noite, para espanto de moradores de vários bairros.

Equipes de diferentes cidades, tanto da Brigada Militar quanto da Guarda Municipal, foram se posicionando nos arredores na tentativa de socorrer os feridos e conter o atirador. Policiais de folga, alguns de bermuda, chinelos e coldre com arma na cintura, também chegavam. “É na casa verde de dois pisos”, se avisavam. Porém, quando se aproximavam, eram prontamente repelidos pelas rajadas do morador, posicionado em uma janela no andar superior da residência.

Cerco policial no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo | abc+



Cerco policial no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo

Foto: Igor Müller/GES-Especial

Os agentes, que revidavam em várias frentes, ainda não estavam organizados em pontos estratégicos para um cerco. Protegidos atrás de muros e paredes, se perguntavam: “É fogo amigo?” Estavam incrédulos com a reação violenta do morador. Não conseguiam sequer se aproximar da propriedade para resgatar as vítimas baleadas.

Por volta de 0h30, entrou em ação o Batalhão de Operações Especiais (Bope), de Porto Alegre. As vítimas passaram a ser resgatadas com a proteção de escudos balísticos. Os feridos foram sendo levados em ambulâncias para o Hospital Municipal de Novo Hamburgo e o Centenário, em São Leopoldo. Alguns arrastados até as macas em meio ao fogo cruzado. O soldado Kirsch já estava morto. Depois veio a confirmação do óbito de Eugênio e, mais tarde, de Everton.

Derrubou dois drones

Eram 0h45 quando o atirador derrubou dois drones, um da BM e outro da GM. Por volta das 3h30, ainda durante os resgates, houve confronto que durou cerca de dez minutos. Lâmpadas de apartamentos próximos voltaram a acender. Os estrondos eram de uma guerra. 

Os outros nove feridos foram hospitalizados. Com todas as vítimas retiradas da área de conflito, restava render ou abater o assassino. Um silêncio se fez até as 5h50, quando estourou outra troca de tiros. Ecoavam munições de grosso calibre e estrondos que pareciam de bombas.

A ofensiva derradeira

Os policiais entraram pelos fundos de uma casa vizinha, por volta das 8h30. Dois estampidos foram ouvidos e logo dois atiradores de elite correram até a esquina com a Rua Bento Gonçalves, onde estava um caminhão de bombeiros e uma ambulância. E veio a notícia. Edson estava morto.



Apesar das centenas de disparos, ele ainda estava com poder de fogo. Na peça que servia de trincheira, segundo a Brigada Militar, foram apreendidas mais de 300 munições. A residência do atirador estava crivada de balas, assim como uma casa vizinha à esquerda. Ficou um mar de cápsulas nos pátios, calçadas e na rua.

Os mortos

Éverton Kirsch | abc+



Éverton Kirsch

Foto: Arquivo pessoal

O soldado Everton Raniere Kirsch Junior, 31, estava há seis anos na Brigada Militar e deixa um filho de 45 dias. O ambiente é de consternação na corporação. Colegas se emocionaram ao serem informados da morte durante a ocorrência.

Eugênio Crippa | abc+



Eugênio Crippa

Foto: Reprodução

Motorista de ônibus aposentado, Eugênio Crippa, 74, gostava de caminhar pelo bairro e era benquisto na vizinhança.

Everton Crippa | abc+



Everton Crippa

Foto: Reprodução

Everton Luciano Crippa, 49, irmão do atirador, tentou socorrer os pais ao ser baleado pelo irmão.

Atirador Edson Fernando Crippa também morreu no ataque | abc+



Atirador Edson Fernando Crippa também morreu no ataque

Foto: Reprodução

O caminhoneiro Edson Crippa, 45, era um vizinho discreto e cordial. Trabalhou no Instituto-Geral de Perícias entre 2002 e 2003 como funcionário temporário.

Os feridos

Sargento Joseane Müller, 38 anos, baleada no ombro
Soldado Eduardo de Briga Geiger, 32, alvejado no pé
Soldado Rodrigo Weber Volz, 31, com três tiros
Soldado João Paulo Farias Oliveira, 26, baleado na cabeça
Soldado Leonardo Alves, 26, baleado de raspão na cabeça
Guarda municipal Volmir de Souza, 54 anos, atingido por três disparos
Comandante do Bope, tenente-coronel Santos Rocha, ferido com estilhaços na cabeça
Cleris Crippa, 70, mãe do atirador
Priscilla Martins, 41, cunhada do assassino

Assassino possuía autorização para ter armas

A investigação tenta descobrir como um homem com histórico de esquizofrenia, já internado quatro vezes em alas psiquiátricas, tinha autorização para ter armamento. Tinha registro de uma espingarda, um rifle e duas pistolas. Era colecionador, caçador desportivo e caçador (CAC) em dia com a legislação.

“Para obter, ele teve que apresentar um laudo psicológico atestando que ele tinha condições de portar arma”, descreve o secretário de Segurança Pública do RS, Sandro Caron de Moraes. Segundo o chefe de Polícia, delegado Fernando Sodré, o assassino tinha habilidade no tiro. “Inclusive, abateu dois drones da Brigada Militar durante a ação.” Sem antecedentes, Edson tinha apenas um boletim de ocorrência em seu nome por ameaça.

O comandante-geral da BM, coronel Claudio Feoli, destacou o ineditismo do fato. “Tenho 34 anos de Brigada Militar e até hoje não vi uma ocorrência com resistência tão feroz de um atirador.”

Pastor passou com a família na frente

O pastor evangélico Geazi Antunes, 51, que mora perto, passou com a família na frente da casa do atirador no momento em que os brigadianos o abordavam. “A conversa parecia tranquila. Estava levando minha filha mais velha para a casa dela. Quando voltei, ainda com minha esposa, outra filha e nosso cachorrinho no carro, começaram os tiros. Foi impossível dormir.”

 
 
 
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