UMA NOVA CULTURA

Discussão sobre a incorporação de câmeras que gravam a rotina dos agentes de segurança volta a ganhar força

Governo do Estado deve concluir processo de locação de bodycams para a Brigada Militar e Polícia Civil até o segundo semestre; uso dos equipamentos já é uma realidade na Guarda Municipal de Novo Hamburgo

Publicado em: 29/02/2024 15:16
Última atualização: 03/04/2024 19:57

As recorrentes queixas da população sobre supostos abusos cometidos pela Polícia durante abordagens policiais reaquecem um tema que é debatido há anos no País: a gravação das ações das forças de segurança no exercício da profissão por meio do uso de câmeras corporais, as bodycams. O tema voltou à tona nesta semana, após mais um episódio que envolve as forças de segurança.


Uso de câmeras corporais, as bodycams, já é uma realidade na Guarda Municipal de Novo Hamburgo Foto: Isaías Rheinheimer/GES-Especial

Na semana passada, um adolescente de 15 anos morreu após ser encontrado ferido por disparos, em Porto Alegre. Testemunhas acusam agentes da Polícia Civil pelo crime, e houve protestos na Capital na terça-feira (2) pedindo a elucidação do caso. A corregedoria da Polícia Civil, responsável pela investigação, admite que "é muito concreta a chance de que haja policiais" envolvidos na ocorrência.

Em fevereiro, um homem negro foi detido por agentes da Brigada Militar, em Porto Alegre, após acionar a corporação se dizendo vítima de uma facada durante uma briga de rua. Após ser detido, por descumprir ordens dos agentes, alegou ter sido vítima de racismo. Nesta semana, as investigações realizadas pela Corregedoria da BM e pela Polícia Civil concluíram que não houve racismo na abordagem.

O governo do Estado está prestes a adquirir um lote de câmeras corporais para iniciar a distribuição do equipamento às forças de segurança. O processo de locação das bodycams, que iniciou em maio de 2023, está na fase de avaliação documental da quarta empresa classificada no certame, já que as outras três empresas foram desclassificadas.

A última delas, a empresa Motorola Solutions, de São Paulo, foi desclassificada no final do ano passado, já que as câmeras ofertadas não atenderam as exigências do edital. Conforme relatório da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado, durante o teste de bancada, o equipamento apresentou incompatibilidade com as configurações mínimas exigidas, podendo interferir na duração da bateria para suportar um turno de serviço de 12 horas.

Implementação no segundo semestre

De acordo com a SSP, a convocação da quarta empresa classificada para fornecimento das bodycams aconteceu em dezembro de 2023.

A Advanta Sistemas de Telecomunicações e Serviços de Informática já passou por toda a fase documental e, assim que finalizar a fase recursal, serão indicados os testes de bancada para avaliação técnica dos equipamentos. A expectativa é que o certame seja finalizado em aproximadamente seis meses. Ou seja, se não houver entraves, a estimativa é de que a implementação dos dispositivos inicie entre o final de agosto ou início de setembro.

A empresa contratada deverá fornecer, em regime de comodato, 1.100 equipamentos [mil para a Brigada Militar e 100 para a Polícia Civil], além de ser responsável por captar, transmitir, armazenar e compartilhar os dados gerados, seguindo as determinações especificadas pelos órgãos de segurança do Estado. Também será de sua responsabilidade a manutenção das câmeras.

“Vai resguardar a ação do policial”, opina comandante do 3º BPM

Para o tenente-coronel Alexandro dos Santos Famoso, comandante do 3º Batalhão de Polícia Militar (BPM), o uso de câmeras corporais será uma ferramenta importante. “Vai resguardar a ação do policial, que muitas vezes é injustamente criticada e também dar uma maior segurança às ações perante a comunidade”, pontua.


Famoso Foto: Isaías Rheinheimer/GES-Especial

Segundo ele, policiais que passaram a utilizar câmeras particulares começaram a observar uma mudança de comportamento dos atores nas ocorrências. “Ao perceberem estarem sendo filmados, mudaram completamente: de um comportamento agressivo para um moderado. O importante é que a câmera vai filmar toda a ação em que o policial está envolvido e não somente a atuação dele”, analisa.

O coronel João Ailton Iaruchewski, que até a primeira quinzena de fevereiro respondia pelo Comando Regional de Polícia Ostensiva no Vale do Sinos (CRPO-VRS), analisa sob outro prisma a temática. “A utilização deste equipamento, provavelmente, irá contribuir para a mitigação da letalidade dos policiais militares no momento em que realizarem as abordagens, as quais fazem parte da rotina dos operadores de segurança pública”, aponta.


Comandante Regional do Vale do Rio dos Sinos, Coronel João Ailton Iaruchewski Foto: Laura Rolim/GES-Especial

Além disso, segundo o coronel, que teve carreira de destaque dentro da corporação e foi o primeiro oficial da BM a se formar doutor em Ciências Militares de Polícia Militar, as câmeras corporais irão propiciar mais segurança para os profissionais durante o desempenho das funções.

Embora saiba que o tema gera debates abrangendo opiniões a favor e contra, se diz a favor do uso, já que “sua correta utilização será extremamente importante, tanto para os policiais militares como para a sociedade, sendo uma ferramenta de controle e prevenção”. “A ferramenta poderá qualificar as ações de investigação criminal, bem como propiciará um controle externo apurado da atividade profissional dos operadores de segurança, além da tutela da vida e preservação da integridade física dos policiais, bem como dos cidadãos”, coloca.

Novo Hamburgo viu número de reclamações contra agentes cair

O uso de câmeras corporais já é uma realidade há dois anos em Novo Hamburgo. Incorporadas à Guarda Municipal em maio de 2022, as câmeras fizeram reduzir drasticamente as reclamações de supostos abusos durante as abordagens. “As câmeras trazem justiça. Nos ajudam a esclarecer o que, de fato, aconteceu em uma abordagem, e também evita comportamentos disfuncionais de ambos os lados”, pontua o secretário de Segurança de Novo Hamburgo, general Roberto Jungthon.


General Roberto Jungthon, secretário de Segurança de Novo Hamburgo, fala sobre experiência com câmeras corporais na Guarda Municipal Foto: Isaías Rheinheimer/GES-Especial

Para Jungthon, apesar de toda a discussão em torno do tema, a ideia base utilizada para a implementação da tecnologia em Novo Hamburgo continua a mesma: proteger ambos os lados, o cidadão e o agente. O general pontua que a incorporação das bodycams de modo geral passa pela mudança de uma cultura. “Aqui em Novo Hamburgo essa cultura já está consolidada, não se discute mais o assunto, pois todos perceberam que o uso do equipamento é benéfico”, garante.

O secretário de Segurança esclarece, ainda, que ao contrário da proposta do Estado, em Novo Hamburgo o acionamento do dispositivo acontece em situações determinadas, para respeitar a privacidade do agente quando não está no atendimento de uma ocorrência. “Nosso propósito não é ficar vigiando a vida do guarda. Agora, quando ele for atender um cidadão ou uma ocorrência, queremos garantir que ele cumpra suas funções de forma técnica. Enfim, o dispositivo nada mais é do que uma ferramenta de trabalho”, assinala.

Novo Hamburgo tem cerca de 200 câmeras corporais disponíveis e renovou recentemente o contrato de locação com a empresa fornecedora do equipamento.

Outros municípios da região já testaram as bodycams, mas não seguiram com plano

Na região, alguns municípios já testaram ou discutiram a incorporação das câmeras corporais, contudo, não deram continuidade ao plano. Canoas é uma dessas cidades, que, em 2021, chegou a testar por 60 dias um modelo de bodycam. Na avaliação final, os guardas que participaram do teste divergiram quanto ao uso permanente do equipamento.

Os agentes reconheceram as vantagens do uso da câmera, contudo, questionaram a invasão de privacidade. “Os guardas informaram que é uma boa, que protege tanto a administração quanto a ação dos policiais. No entanto, teve uma resistência muito forte, pois a câmera atuou sempre, ou seja, ela pega qualquer tipo de ação do policial”, observa o secretário de Segurança Pública de Canoas, Marcelo Pitta.

Em Esteio, a aquisição de câmeras corporais para os agentes da Guarda Municipal já foi discutida, entretanto, questões orçamentárias desaceleraram o processo de implementação da ferramenta. "Somos favoráveis a todas as tecnologias e recursos que efetivamente contribuam com o trabalho das forças de segurança, desde que comprovada a sua eficácia. Hoje, ainda é uma tecnologia muito cara, que para podermos adquirir, é necessária a previsão no PPA, LDO e LOA (planos orçamentários)", pondera Alberto Rocha, secretário de Segurança de Esteio.

Estância Velha pretende, ainda este ano, adquirir câmeras corporais para a Guarda Municipal. “Em 2023 foi feito um teste durante o Festival de Kerb, com o empréstimo de duas câmeras por parte de uma empresa parceira e a avaliação foi positiva”, sinaliza o comandante interino da Guarda, Éder Castro.

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