A morte a tiros de um líder de facção dentro da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan), na tarde de sábado (23), abriu uma nova crise no já combalido sistema prisional, que reverbera na insegurança nas ruas, e vem trazendo detalhes de uma execução que margeia as raias do absurdo. O drone com a arma do crime não pousou no pátio, como inicialmente cogitado. Ele foi direto à cela do matador, que pegou a pistola calibre 9 milímetros pela janela. Depois de atirar no rival, largou a arma e pediu desculpas aos guardas.
Conforme revelado pela reportagem do Grupo Sinos na segunda-feira (25), o traficante Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, 41 anos, tinha avisado à direção da casa prisional que havia um plano para eliminá-lo e que a arma chegaria em um drone. Praticamente previu a própria morte. O perigoso detento chegou a escrever uma carta, no dia anterior, em que detalhava os riscos que corria por falhas na segurança [imagem acima].
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Líder de facção de Porto Alegre, Nego Jackson pedia transferência por “incompatibilidade” com presos na galeria. Salientava a urgência da remoção. Não mencionou nomes, mas, na cela da frente, estava há uma semana o rival Rafael Telles da Silva, o Sapo, 36, líder de outra facção da capital. Sapo desfrutava de mais poder no ambiente.
Tecnologia e frieza
O drone teria chegado a Sapo na noite anterior. A janela é parecida com a de uma residência, só que protegida por grades. Uma pessoa não passa, mas braços e equipamentos menores, sim. O drone foi operado sem iluminação, com ruído que parece zumbido de pernilongo e máxima precisão. Cada cela é ocupada por dois presos. O colega que dividia o espaço com Sapo teria sido o encarregado da execução.
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Por volta das 18 horas de sábado, como de praxe, os detentos foram sendo chamados ao corredor para a conferência, de forma individual. Na vez do parceiro de Sapo, ele teria ido direto à cela da frente e, pela portinhola da porta de aço, dado sete tiros contra o vizinho Nego Jackson, que aguardava a chamada.
O atirador deixou a pistola no chão e voltou para a cela dele, ao lado de Sapo. Os dois ficaram esperando a prisão em flagrante. “Desculpa pelo incômodo”, disse o matador. Sapo acrescentou que “a bronca não era com os guardas”. Em seguida chegou reforço de agentes e foi feita revista geral na galeria. O baleado morreu pouco depois no hospital.
A rota facilitada dos voos criminosos
Drones com drogas e telefones se tornaram comuns em presídios. Mas com arma é o primeiro registro na Pecan. No módulo 3, onde estão faccionados em isolamento, o caminho costuma ser as janelas das celas. Pousos no pátio são considerados inviáveis porque, além das pequenas dimensões, é fechado com tela a uma altura de 15 metros.
É o menor módulo da Pecan, com 17 celas e capacidade para 34 apenados. Era reservado, inicialmente, aos presos trabalhadores, que fazem serviços de cozinha e limpeza. Passou a ser ocupado por lideranças do crime organizado há cerca de um ano, por ter bloqueador de sinal de celular.
O ingresso de drones ganhou um facilitador. Por determinação da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), os agentes não podem abater os objetos. Há pelo menos três servidores submetidos a sindicâncias por terem atirado em drones.
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Nego Jackson estava há poucos meses no local. Sapo tinha sido transferido há uma semana. Rivais de alta periculosidade, acusados de participação em homicídios com sessões de tortura, esquartejamentos e decapitações, os dois já haviam sido removidos para penitenciárias federais. Voltaram ao Estado e, antes da Pecan, estavam na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
Situação preocupa dentro e fora dos presídios
A execução a tiros dentro de uma penitenciária inaugurada em 2016 para servir como modelo e as possíveis retaliações entre facções, que podem aumentar a insegurança nas ruas da região metropolitana, fez o governador em exercício, Gabriel Souza, ir a público na tarde desta segunda para anunciar uma série de medidas.
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Em coletiva à imprensa, Souza divulgou o afastamento de cinco servidores da Pecan – o diretor, o chefe de segurança do complexo, o responsável pela galeria e dois agentes que estavam no turno. “Isso não é por qualquer tipo de confirmação ou crença do governo de culpabilidade de qualquer um dos servidores, mas no sentido de buscar apuração isenta, rigorosa e célere.” Anunciou ainda o aumento das revistas nas celas e o reforço de 520 policiais militares nas cidades e bairros da Grande Porto Alegre onde conflitos do tráfico possam eclodir.
Rodeado da cúpula da segurança pública, Souza disse que outra providência será o retorno das lideranças de facções à Pasc em dezembro, quando deverá ser inaugurado o módulo de isolamento com 76 celas individuais e bloqueios de celulares.
Na tarde desta terça, foi a vez do Ministério Público anunciar medidas após reunião com diversos órgãos. Entre elas, patrulhamento da Brigada Militar 24 horas por dia e incremento do monitoramento por câmeras nas imediações do complexo penitenciário.
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