APOIO PARA RECOMEÇAR

"Não percam as esperanças", diz família que se reergueu após enchente

Ciclone de junho deixou 17% de cidade do Vale do Sinos alagada; relembre

Publicado em: 12/09/2023 07:00
Última atualização: 17/10/2023 21:08

“Na hora do aperto, não existem desavenças. A gente se une e enfrenta. Mesmo na maior dificuldade, não podemos perder as esperanças, pois sozinhos não conseguiríamos nada, teríamos perdido tudo."

Com estas palavras, a aposentada Rosa Maria Domingues, de 65 anos, tenta deixar uma mensagem de alento a quem está passando pelo trauma das enchentes que já deixaram dezenas de mortos no Rio Grande do Sul.

Leonardo, Solange, Andreia, Gabriel, Rosa, Ana Lúcia e Altamir Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Rosa e a família tiveram as casas invadidas pela água na altura das janelas, em Lindolfo Collor, durante o ciclone de junho, perderam quase tudo e conseguiram se reerguer graças à ajuda de amigos e vizinhos. Muitos destes vizinhos, inclusive, perderam ainda mais, pois a água chegou no teto.

Passados três meses, a vida praticamente voltou ao normal, com dívidas é verdade, mas com saúde para todos. O aposentado Leonardo dos Santos, de 88 anos, pai de Rosa, Solange, 63, Ana Lúcia, 55 e Andreia, 51, até dá risada ao relembrar os momentos em que foi retirado de barco pela Defesa Civil e “navegou” em frente à sua casa como jamais imaginara.Na casa de número 399, da Avenida Capivara, vivem a aposentada Solange, a filha Juliana e o pai Leonardo. Na casa anexa, moram Rosa e o filho Gabriel. Algumas casas ao lado, vivem o casal Ana Lúcia e Altamir. Todos precisaram recomeçar. Andreia dos Santos, também irmã de Rosa, Ana Lúcia e Solange, mora em outro bairro e não foi atingida, mas compartilhou da mesma dor.

Hoje, conforme conta Rosa, cerca de 90% de seus móveis vieram de doação. A água destruiu com camas, sofás, armários, colchões e estantes. O carro de Gabriel ficou submerso e foi perdido. “Basicamente o que conseguimos salvar foram os eletrodomésticos, que levamos para um celeiro de um vizinho num potreiro atrás de casa”, explica Rosa.

Família Santos mostra união após enfrentar pior enchente já vista em Lindolfo Collor, em 16 de junho (detalhe ao lado)Dário Gonçalves/GES-Especial
Família Santos mostra uniãoDário Gonçalves/GES-Especial
Família Santos mostra união após enfrentar pior enchente já vista em Lindolfo Collor, em 16 de junho (detalhe ao lado)Dário Gonçalves/GES-Especial

Dias difíceis de esquecer

Com quase nove décadas de vida e há 38 anos morando no local, Leonardo conta que nunca tinha passado por nada parecido. O aposentado hoje dorme em uma cama e colchão que vieram de doações. Seus pertences, os que sobraram, e demais roupas ficam em uma “estante” improvisada no quarto, pois o guarda-roupas não existe mais. Apesar disso, o que a água ou qualquer outra adversidade nunca lhe tirou, foi o sorriso do rosto e a satisfação em conversar.

Altamir, como já havia feito outras vezes, emprestou a garagem de sua casa para que um vizinho, que vive em uma área mais baixa e próximo ao Arroio Feitoria, pudesse colocar seus móveis no local e salvar da água. Porém, por volta das 5 horas do dia 16 de junho, uma sexta-feira, Altamir foi acordado pois a água já estava chegando em sua porta. “Em duas horas, a água invadiu as casas. Ninguém sabia o que fazer, não acreditavam no que estava acontecendo, não sabíamos o que salvar, mas todos os vizinhos foram se ajudando”, relembra.

Quando a água baixou, já no sábado (17), o cenário foi de tristeza e desespero. A água que retornava para o arroio deixava para trás a lama e os estragos. De tudo o que se perdeu, algumas coisas doeram mais, pois não há mais como recuperar como fotos e uma bíblia, que era da mãe das quatro irmãs e já faleceu. “Todos frequentamos a igreja, temos as nossas bíblias, mas aquela era especial. Era uma recordação da nossa mãe”, conta Rosa.

Solidariedade e resiliência foram essenciais

Sem água potável e sem luz, o resultado da enchente fazia a família ter vontade de chorar. Foi necessário buscar água do próprio arroio para lavar o lodo de dentro de casa. Isso enquanto outros ainda estavam com as casas debaixo d’água. “Quando vimos o que aconteceu, não imaginávamos que hoje já estaríamos bem, mas aqui estamos”, relata Andreia.

“Conseguimos nos reerguer porque nos endividamos. Ganhamos muitas coisa, mas também foi preciso comprar bastante móveis”, complementa Altamir. Gabriel acabou vendendo o carro submerso para um mecânico e conseguiu comprar outro graças a uma vaquinha virtual.

A família ainda passou pela apreensão com os animais. Dos três gatos, um desapareceu durante a cheia. Já os outros dois subiram no telhado e lá ficaram até a água baixar. Felizmente, depois de um tempo, o gato desaparecido retornou são e salvo para o lar. Do Poder Público, receberam materiais de limpeza, cestas básicas e, é claro, resgate e abrigo. “O prefeito, o vice, toda a administração passaram perguntando do que precisava, fomos bem assistidos”, declara Gabriel.

Por fim, a família agradece por estarem todos bem e deixa um recado àqueles que precisam recomeçar do zero: “Infelizmente, as pessoas que se foram não voltam mais. Ficamos com muito medo do nosso pai (Leonardo) ter que passar por isso nesta idade, mas deu tudo certo. E quem precisa reconstruir suas vidas agora, não percam as esperanças, porque depois do desespero, vem a solidariedade e tudo passa”, diz Rosa.

Enchente de 16 de junhoArquivo Pessoal
Rosa e Gabriel usam o que sobrou de um guarda-roupas para servir de prateleiraDário Gonçalves/GES-Especial
No armário e na parede, as marcas da enchenteDário Gonçalves/GES-Especial
Andreia mostra o quarto do pai, Leonardo, ainda sem guarda-roupasDário Gonçalves/GES-Especial
As irmãs Andreia e Solange, ao fundo, os móveis que vieram por doaçõesDário Gonçalves/GES-Especial

Gostou desta matéria? Compartilhe!
Matérias Relacionadas