A primeira edição do The Town, irmão paulista do Rock in Rio no Autódromo de Interlagos, foi encerrada com o saldo artístico positivo e o logístico irregular. Ao longo dos dias 2, 3, 7, 9 e 10 de setembro, o pop, o rock, o funk, o R&B, o soul, o trap e a MPB tiveram sua vez em cima dos palcos – às vezes, ao mesmo tempo. Teve show para todo mundo: para tanta gente, na verdade, que a estrutura do festival nem sempre comportou bem o fluxo de 100 mil pessoas presentes a cada dia.
Foto: Divulgação
A organização foi caótica no dia inaugural e melhorou no segundo final de semana, mas seguiu com falhas. Reclamações sobre compra de alimentos, entrada e saída e até a disposição dos palcos aconteceram todos os dias. Em um dia, um ônibus expresso do evento pegou fogo; em outro, foi um quiosque – ambos sem feridos.
Com tantas ativações de marcas, lojas e “experiências”, o The Town foi como todo grande festival atualmente, um grande shopping center com música. Antes mesmo de render ao público tempo para refletir sobre o festival, a produção confirmou neste domingo, 10, o retorno do The Town à cidade para sua segunda edição em 2025.
Haja o que houver, o shopping abrirá novamente – e, apesar dos perrengues, com potencial de, com melhorias, virar o “Rock in Rio de São Paulo”, dada a experiência de Roberto Medina, criador do festival carioca em 1985 e do The Town em 2023.
De qualquer forma, quando a música aconteceu, serviu a quem veio: foram muitos shows excelentes, de artistas de todos os portes.
Como no Rock In Rio, a sensação geral foi de que o line-up nacional não ficou devendo para o internacional; na verdade, muitas vezes, superou os gringos. No entanto, a ordem dos shows e distribuição dos palcos não favoreceu algumas das atrações. Ficou claro que o título headliner não quer dizer tanto: com grandes poderes, nem sempre os artistas entendem que têm grandes responsabilidades.
Mas quando os headliners compreenderam seus papéis, a espera valeu a pena. Veja os melhores e os piores shows do The Town assistidos pelo Estadão, de acordo com as críticas publicadas ao longo do evento:
OS 10 MELHORES SHOWS DO THE TOWN
1 – Bruno Mars (duas vezes)
Ainda maior do que era há seis anos, quando esteve no Brasil pela última vez, Bruno Mars chegou validado por superlativos: único artista escalado duas vezes e em dias nobres para a temporada; maior cachê já pago pelo empresário Roberto Medina (calcule todas as atrações das nove edições do Rock In Rio no Brasil e uma outra dezena lá fora); e atração que mais rápido esgotou ingressos.
O grande show de “Bruninho”, como ele mesmo se chamou, em português, ainda teve uma surpresa. O tecladista de Mars toca Evidências, conhecida com Chitãozinho e Xororó (com a presença de Xororó no segundo show), e deixa a plateia cantar, do início ao fim. Termina sua longa sessão solo e chama a banda de novo para Locked Out of Heaven e Just The Way You Are. Ele volta e finaliza com Uptown Funk! Livre para fazer o que entender, Mars, um pouco por exclusão, um pouco por talento puro, é um dos melhores artistas de sua geração. E fez o melhor show deste festival, duas vezes.
2 – Foo Fighters
Talvez seja a primeira vez em um festival que as atenções estiveram mais voltadas para o baterista do que para o próprio vocalista. Josh Freese: músico de estúdio, 50 anos, filho de um maestro de uma banda da Disneylândia, Freese teve seu primeiro teste diante dos brasileiros na noite deste sábado, 9, ao lado do Foo Fighters. A cadeira que ocupou é cara: ali, por 23 anos, entre 1997 e 2022, quem sentou-se foi Taylor Hawkins, um dos bateristas mais virtuosos do rock.
A morte de Hawkins, que também tinha 50 anos, precoce, trágica e às vésperas de um show no Brasil (no Lollapalooza de 2022), deixou os fãs chocados e apreensivos. Afinal, o que seria da banda sobretudo sem a poderosa mão direita de Hawkins? Seria o mesmo Foo Fighters (que já teve na bateria o próprio líder, Dave Grohl)?
Às 23 horas em ponto e essas perguntas começaram a ser respondidas, justamente, pela bateria de Freese. Um solo estrondoso com a guitarra de Grohl para a entrada de All My Life. Muita pressão, como se derrubassem juntos uma muralha de aço.
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3 – Pabllo Vittar
Tocando junto com uma banda, diferente de como está acostumada, Pabllo Vittar fez um show que ficará marcado em sua carreira (talvez o mais importante deles) neste domingo, 10, no The Town. As músicas já conhecidas pelos fãs ganharam outros arranjos para que solos de saxofone e guitarra fizessem parte das canções. E a mudança foi gritante.
Pabllo se mostrou bem à vontade com a banda. Até porque foi assim, afinal, que se tornou tão conhecida. Em 2017, a drag queen era cantora da banda do programa Amor e Sexo da TV Globo. E um ano depois já saiu para fazer carreira solo. Hoje, ela tem uma banda própria.
“Com ou sem banda, eu sou o show”, gritou Pabllo no final de sua apresentação. A sensação realmente pode ter sido essa, diante de sua fama e do tamanho do público que a assistia. Mas não é bem assim. O valor que a banda deu para apresentação é inestimável.
4 – Iza
Invocando a ancestralidade preta, Iza foi a primeira atração do Palco Skyline neste domingo, 10, ultimo dia da 1.ª edição do The Town. Mostrou, como de costume, sua mistura de pop, R&B e funk.
Feliz e segura, Iza abandonou o centro do palco e passeou pelas laterais dele, chegando mais perto do público, após a primeira troca de roupa. Beyoncé, claramente, continua sendo uma inspiração (não só dela, mas de várias outras cantoras brasileiras ao longo do festival). E isso é bom. Com Talismã, um de seus principais hits, levantou o público. Exclamou um palavrão e, em seguida, chamou o rapper Djonga com quem cantou Sintoniza.
“Fogo nos racistas”, apareceu no telão, após Djonga fazer seu manifesto.
Em roteiro bem amarrado, emendou Fé. “Fé para enfrentar esses filhos da…”, diz a letra. Iza parecia saber muito bem o que queria e o que fazia no palco. Dona de si.
5 – Ne-Yo
As pessoas de 40 anos ou mais podem se assustar quando alguém de 25 ou menos disser que Ne-Yo é nostálgico, que Ne-Yo faz lembrar a infância, que Ne-Yo é tiozinho. Essa espécie de neo-nostalgia ou pós-flashback, uma saudade que se tem não de artistas dos anos 70 ou 80, como nos acostumamos a sentir, mas de sons dos anos 2000, é o flagrante de algo inegociável: o tempo passa e a indiferença de uns pode se tornar a mais afetiva nostalgia de outros.
O show levou muitos jovens de 25 anos ou menos a se emocionarem com Miss Independent, She Knows e, sobretudo, So Sick, as mais novas velhas canções do pop. O bailão de nostalgia de Ne-Yo, o tempo todo rodeado por três exuberantes bailarinas, chega a uma espécie de auge no meio do show e, a partir de então, é só ladeira acima. Se Ne-Yo será apagado pelos anos ou por aquilo que tem dito fora dos palcos, não sabemos. Mas se não preservar a memória afetiva que começa a criar no coração de seus fãs, ela pode se tornar trauma.
6 – Post Malone
Post Malone voltou ao Brasil um ano após se apresentar no Rock in Rio. Lá, sozinho no palco, ele usou bastante carisma e apostou em recursos de AutoTune. Agora, tinha uma espécie de dívida a pagar. Faria mais mais um show sozinho em um palco gigante como o Skyline? Não, ele trouxe a banda, uma grande banda, com um baterista gigante, violinista, violoncelista, guitarras e baixo. Post fala bastante com o público, dança desengonçado e usa de muito carisma. É um cara bom de palco, talvez até mais do que de repertório, mas tem uma massa de fãs fiéis que não arredam os pés da frente do palco.Usa a camisa do Brasil e enfileira seus hits alegres. Ele chamou para o palco um fã chamado Daniel – cunhado de Sasha Meneguel – e pediu que ele tocasse o violão.
7 – Ney Matogrosso
Se no dia anterior Ney havia feito uma participação no confuso show de luzes revivendo a abertura do Rock in Rio de 1985, cantando América do Sul, no dia de sua apresentação ele, mais seguro e à vontade, mostrou parte do show Bloco na Rua, lançado em 2019 e retomado após a pandemia. Ney, aos 82 anos, canta músicas como Sangue Latino e Pavão Mysterioso, em um roteiro amadurecido no qual o cantor pode mostrar o que gosta de fazer: cantar com excelência vocal. Pioneiro em várias questões, até nas políticas, para as quais ele diz não ter “paciência”, Ney, um dos primeiros artistas pop/rock do País, mereceu abrir a 1ª edição e, agora, foi escolha acertada na estreia do palco The One.
8 – Ludmilla
Os boatos eram de que Ludmilla faria um dos melhores shows de sua carreira, afinal o investimento foi de R$ 3 milhões – um milhão a mais do que o show do Rock in Rio, que foi considerado o melhor de todo o evento. A cantora tocou funk, versões de voz e piano, R&B, pagode e até dançou um reggae. A mistura de estilos também se fez presente na clara inspiração da cantora em artistas internacionais. Mas a melhor parte do seu show foi quando relembrou seus hits antigos ou cantou os famosos pagodes do Numanice, e se permitiu ser ela mesma, sem chapéus à lá Beyoncé ou brincadeiras com a câmera no estilo Rosalía.
Em grande momento do show, a cantora apareceu acompanhada de Lulu Santos. Juntos, cantaram Toda Forma de Amor, música de Lulu. Lud terminou seu show com a energia que prometeu. Cantou hits antigos, dançou, interagiu com o público e desfilou bastante na passarela. A festa realmente tinha chegado. Ou melhor, a favela. Favela Chegou fechou o show da artista.
9 – Jão
O dragão gigante que Jão levou ao palco foi o maior símbolo de um dia que deixou escancarado o sucesso de uma geração do pop brasileiro que não tem medo de se levar a sério. O cantor que lota shows pelo Brasil há anos mostra cada vez mais poder sobre o público a cada grande festival. Foi surpresa no Lollapalooza, fez malabarismo no Rock in Rio e agora, impressionou no The Town.
A conversa é que ele levou seis carretas de material cênico e credenciou cem pessoas de sua equipe para o festival. Coroou um dia de grandes produções de Iza, Pabllo Vittar e Gloria Groove, sem contar Ludmilla e Luísa Sonza, nos dias anteriores. Nenhum deles tem pudor de ser pretensioso e empilhar referências, trilhas dramáticas, vídeos pomposos, coreografias elaboradas etc.
“Eu me sinto muito perdido sem vocês”, ele disse. “Espero que hoje vocês se sintam respeitados e amados por quem vocês realmente são, e que aqui seja um lugar seguro para vocês”. Jão está ainda mais seguro e, ao mesmo tempo, solto no palco.
10 – Luísa Sonza
Depois uma estreia fenomenal com seu último álbum, Escândalo Íntimo – no Spotify, ultrapassou 8 milhões de streamings em 13 horas -, Luísa Sonza fez, mais cedo, um show digno de fechar festivais. A lotação do gramado do palco Skyline provava isso. Nem o sol forte foi capaz de fazer com que as pessoas ficassem afastadas uma das outras ou parassem de dançar. A mensagem que fica é que depois de um ano de descobrimento da cantora consigo mesma, no qual pode explorar seus traumas, amores, e inspirações – seja de ritmo ou de artistas, como Marília, Rita Lee e Ludmila, por exemplo – Luisa se abraçou, com todas as facetas. Por isso é tão notável sua evolução.
OS 4 PIORES SHOWS DO THE TOWN
1 (o pior) – Maroon 5
Com uma voz mais fraca que o normal, Adam Levine não prova muita coisa. Mas ergue o pedestal para o alto, corre pelo palco, dá socos no ar e grita em Love Somebody. Depois, tem todo o esforço de sua banda nos riffs pesados de Harder to Breathe. São atos roqueiros bem intencionados que nem sempre vencem a tentação de um popstar. Sunday Morning, adocicada e praieira, que o diga.
Ele chega a Girls Like You sem nenhuma grande conexão com a plateia, sem justificar por nenhum instante o fato de ser escalado para ocupar o posto de headliner de um festival do porte do The Town. A banda saiu do palco faltando duas músicas para o fim, She Will Be Loved e Sugar. Houve um silêncio um tanto constrangedor e muita gente começou a se movimentar para deixar o Autódromo de Interlagos. Mas a banda voltou, Adam usando agora a camisa da Seleção Brasileira, e eles fizeram uns sons acústicos. Ele cantou She Will Be Loved na voz e violão e tentou colocar tudo pra cima com uma entrada inesperada da banda no refrão. Só acabou mesmo sendo salvo por Sugar.
Faltou espetáculo. As pessoas não saem de casa mais apenas para ouvirem música. Para isso, elas têm o Spotify. Dá até para argumentar que houve shows tão ou mais fracos do que o deles nesta lista. Mas nenhum deles era headliner do festival, com responsabilidade especial.
2 – Iggy Azálea
Apesar de contar com os elementos típicos de um show pop – o imprescindível combo de dançarinas, collant e luzes -, Iggy Azalea fez uma apresentação que até animou fãs, mas foi esquecível. A rapper montou uma sequência de músicas não muito conhecidas, intercaladas com alguns sucessos, sem alterações ou novidades que pudessem entreter o público por muito tempo. Ela está visivelmente no limbo entre “diva pop” e “rapper”, sem alcançar o suficiente para um ou outro. A chuva não ajudou e a própria artista disse que foi um show árduo e caótico. Mas se ela havia preparado algo de especial, nada disso apareceu no maior palco do evento.
Iggy muito elogiou o Brasil, mas não ficou à altura do País. Não é exagero dizer que a australiana esteve atrás de rappers nacionais como Tasha e Tracie e Karol Conká, que fizeram um show mais rico para um público bem menor no mesmo dia. (Dora Guerra)
3 – Kim Petras
A cantora alemã de 31 anos tem uma obra interessante e promissora de pop eletrônico, que leva o som de vanguarda do hyperpop da finada SOPHIE, com quem já colaborou, para um lado menos caótico e mais comercial. Em resumo, ela pode ser boa, mas mandou mal demais no show do início da noite deste domingo no palco principal do The Town. Kim basicamente botou suas músicas para tocar ao fundo e ficou lá na frente balançando um braço livremente enquanto segurava o microfone para dublar com a outra mão.
Foi prejudicada por uma chuva fina e pela comparação com o showzaço de logo antes no palco secundário, de Pabllo Vittar, inversamente proporcional no investimento artístico, pessoal e financeiro. Os quatro dançarinos e um tablado de onde ela descia e subia sem saber bem o que fazer em cima ou embaixo estão longe de serem suficientes para justificar a moral de sua posição no line-up.
Em um dia em que os artistas brasileiros fizeram tanto esforço, ficou mais feia essa picaretagem gringa. Nem as boas bases e os versos super sensuais de faixas como XXX, ou o megahit Unholy, que rendeu um Grammy a ela e Sam Smith, evitaram que a maior parte do público acompanhasse o show com cara de interrogação.
4 – Alok
O show de Alok no palco principal do The Town mesclou “MPB good vibes” com eletrônica e trechos apressados de sucessos do pop-rock. Mais do que música, foi um show de fogos e até drones, que formaram a marca do cantor no céu.
Ele repetiu o chamariz para o show do Lollapalooza do ano passado, no mesmo Autódromo de Interlagos e, quebrou, supostamente, o recorde de luzes de lasers em um show. Alok, por sua vez, usou seu talento no Brazilian Bass para seguir menos para o Brazilian, um pouco para o Bass e com ímpeto mesmo para o espetáculo. O show, com frases motivacionais e hits apressados do Alok foi, no fim das contas, o melhor brinquedo do parque de diversões do festival.